Especial nem pensar, quem que dera: toda sua vida, é pecado ter inveja, mas agora ele teria uma Libertadores pra devolver pros mais velhos. Há muito seu Flamengo que nunca mais. Especial dar não dava. Nas azuis e veria seu time – lá ganhando jogo ganho; como buscar bilhete premiado, o negócio era a forma: qualquer berro era de comemoração.
Se vai ao jogo, se compra tinta para a placa.
De pequeno queria fazer crer o mengão, chute torto saindo pela vala, mas ele todo: abria os braços e alado batia no peito. Isso sim era Flamengo. A responsabilidade agora era maior, o técnico iria embora depois do título-certo, pra torcer não ia faltar gente. As letras J de “Joel”, F de “fica” carregadas na tinta, o amigo lhe dissera publicitariamente, foi assim de entendido. Se não fora sua vocação para a bola, seria a placa. Nunca pensara em interferir, não como cidadão, trabalhador, vida cheia de espinha de peixe atravessada. Era seu Flamengo. E diria ao pai que o antigamente tinha chegado de novo: fica, Joel.
Agora, fora da festa? Noventa mil cantando e ele na borda do estádio, mexendo e remexendo tinta? Ganhar jogo ganho, o negócio era como. Nas azuis era o mengo dando a ele a alegria da vitória certa; na placa, o pedido para o técnico continuar. A proposta de fora era boa, tudo tinha que ser pensado ainda mais. Fosse o que fosse. A placa saindo teria que ser em convincência, nas azuis bastava levar alegria nos pulmões – dá-lhe.
Trinta reais, tinham lhe garantido, azuis perto do gramado, vendo o jogo ganho até pelo cheiro. Com brecha, estaria no campo no final da partida.
A proposta de fora era boa, precisaria de trinta reais em tinta, forma, papelão e convincência. Alegria o time já tinha dado muito a ele, ao pai. A responsabilidade é com o que vem por aí, o técnico não podia escafeder depois da volta olímpica - ora.
Vez, encomendou tinta boa e moldura capaz: era o gol que perdeu criança por excesso de canela. A quinze minutos de começar a partida, se entendeu em qual religião. A multidão aos empurros estádio a dentro, ele fincado de suor, olho espremido. Na dura renúncia das azuis.
– Dá-lhe, Mengo.
– Dá-lhe.
Placa convicta entre os dedos, a tinta ainda fresca contra os impulsos dos que passavam na roleta. Seu Flamengo, por devoção de quem olha pra frente:
– FICA JOEL – em murmúrio trincado, os pés imóveis.
– Dá-lhe, ô.
– FICA JOEL
– Ô, ô.
(...)
Tinha fundado sua fé, e agora aquela paz-que (um dia alguém deve ter lhe falado dela). A placa por convicção, não haveria dinheiro e Joel ficaria.
O primeiro gol foi deles, de fora deu pra perceber, fizeram mesmo o segundo. No intervalo, ele ajeitou um “L” - sensivelmente - e um cambista ofereceu cerveja, os quinze minutos foram-se, a história contada em detalhes “uma Libertadores pra devolver pros mais velhos”, “a dura renúncia das azuis”.
– Rá, o ingresso pela placa, meu Flamengo de mim era aqui, salve, Joel.
E o cambista, é.
A torcida gritava das azuis, verdes e especiais, sabiam aproveitar quando o gol saísse, ah.
– Lá, foi 4 a 2 nós, o time deles é fraco, atacante gordo.
– Podem meter até de três.
– Qualquer gol nosso...
– Basta.
Em vinte minutos o silêncio angustiante explodiu no terceiro dos caras. De resto o mundo parou, bastava um gol da gente. Difícil era fazer o fácil, e disse isso em berros, a placa intransigente:
– FICA JOEL
O gol é sempre por um detalhe, todos os boleiros dizem. As traves tem o espaço do mundo entre elas - são quantas vezes maior do que a bola, alguém já fez a conta? Alguém já fez a conta?! Algúem já fez ?!?! Time fraco, atacante gordo. No lugar de um golzículo nosso - canelento que fosse! - o apito final desabou de silêncio.
Estarrecida, a mão rodopiou o “I”, equilibrou o “C” em duas pernas cambaleantes, já não era por nada: instinto. Ah, o seu valão lhe doendo a canela até agora, desde sempre, o time tomou três sem sapecar um. Sequer.
Voluptuoso na tinta, “O”, “R”, ele esperaria ali, mais do que nunca - desde sempre.
Foi já em madrugada que o técnico saiu do estádio. Câmeras, confusão. O cambista tinha ido embora de um tapa seco nas costas, tem jeito não, rapá. Pois que o rapá ficara esperando, mais do que nunca, o Joel ia ver, ter de ver. A placa em fúria, fora: "FORA JOEL".