O carnaval que estava quieto nas veias há alguns anos tomou o corpo feito um golpe de estado, apesar de eles não saberem exatamente o que é isso. Mas quando cantaram Nássara esta noite no piano improvisado de botequim não era só a sintonia com a festa que dava alegria ao salão de ladrilho e saideiras.
Alalaô!, mas pela primeira vez com o sol queimando a cara. Do lado de lá, antes que alguém não entenda nada.
Não importa se pela televisão, foi a primeira vez: tantas multidões só nos campeonatos. Tantos أبجدي só nos subnicks. O piano não sabia, cintura dura que é, mas depois de ter seus carnavais acordados, a rapaziada sentia sair a poeira de palavras que, para ela, nasceram aposentadas: revolução, deposição, motim e cognatos.
No mundo desde os anos 80, sentiram no aperitivo o gosto da saideira. Diretas Já, mas no leite Ninho; impeachment com Danete; Lulalá no Cremogema. Um pouco mais tarde, gritos pelo passe livre. Os que são da mesma safra da Constituinte, então, chegaram no segundo turno dos agitos e não se lembram de gritaria nenhuma. Para ambos, a história que põe a cara à tapa só agora vira verdade.
Se algum deles vai cavucar os pés até ressurgirem as extintas passeatas da Cinelândia, é exercício para chutologia. Mas agora, ouvindo os repetitivos jornais com as últimas do Egito (país que conhecem das pirâmides e do War), descobrem que existe um músculo feito para ir à luta e, imaginem só, construir um país.
Foi assim com o carnaval. Sei lá quantos e por quanto tempo acharam que a festa era só um feriado escolar prolongado. Muito útil para visitar a tia em Araraquara. Até que, um dia, os ventos do modismo empurraram para eles tamborins envenenados e, ziriguidum, descobriram que tinham um quê de batuquejê hibernando nos quadris. Mesmo que não saibam que foram Nássara e Haroldo Barbosa os fundadores do deserto do Saara na folia carioca, emprestam a alegria que se espera deles para a farra há uns quatro ou cinco anos.
Agora, cientes de que há lugar na corcova do carnaval de rua, os filhos de oitenta e tal foram informados por fotos, vídeos e tuitadas que podem protestar por um pouco mais do que o rebaixamento do seu time. E, com vinte ou trinta anos, perdemos mais uma de nossas virgindades. Mesmo que pela internet.
*Escrito no Carnaval/2010, durante os agitos da Primavera Árabe (ou o que pensávamos que ele teria sido)