Suave, espia-só

Texto selecionado para a 
coletânea Para a ler a Lapa,
publicado pela editora Imã em 2015

ruídoum esquina da mem de sá com ubaldino com washinton com luiz do amaral e rua do rezende: o cara era um indiozão loiro de olho azul eu não quis dar isso é lacan

suave fazer poesia. Faço. Meto-mão em palha de coqueiro, que se tem uma flor, marimba, jangada, titanic. Sem o Leonardo Dicaprio, pô - ele j'afundou já, ou não foi? FLOR, MARIMBA, JANGADA, TITANIC É TRÊS! TITANIC SEM DICAPRIO É TRÊS! Mas, aí depende, um varejo na madrugada tem seu valor. [Gosta de poesia?] Quero ver é fazer na palha Dicaprio sem titanic. Qualquer dia, mas aí cobro cinco . rs . rs . rs . Ali: Timbau, Jorgim, Negovéi, Adrianinha, tudo parceria, não fico sem ter onde dormir. Sabe o depósito? Élicedê + Peéssequatro nos fundos, tô dibobeira nada. 

Já rodei, né: toda hora muda, tem que ter muito desenrolo, não afino. Não. Qual que foi. Tô aqui vendendo minha arte, teatro, poesia, performance - a Lapa não é a rua? Eu sou, irmão. O delegado me conhece, manda eu tomar juízo, ficar esperto. 

[De beber, de puxar ou rebater?] [Conheço-um-cara, mas diboa, eu sou é artista de rua]

Aí.

Tu lembra o dia, a ocupação daquele prédio lá? Sufocossó, empurrei a porta com uns marombas, já foi. Ih. Veio gente de Campo Grande, família de Resende, agora tuvê - de Resende! Uma gringa me entrevistou e eu falei bem grande, sou o Coati da Lapa, filho do seu Gegê com dona Dircinha, Araçagi-PB, 1976. Quer mesmo ouvir minha história, mirei nuzóio verde dela, vai ter que fazer um programa só pra mim. Ela: rs . rs . rs . Aí me deu essa camisa - ceci n'est pas un chien. Não é nem nunca será! Ceci, uma graça ela: eu não sou cachorro não.

Show do Lenine nos arcos, eu-tô. 
Caramarrada vez-ô-outra, tô.
Escadaria, quitô. 
Plenária na Cinelândia, sarau na Casa da Cachaça.
É o sacolé de caipiriiiiinha!

Te falei que morei na Bélgica? Nu pra estudante de belas artes. Mas quando eu ficava parado, ulalá - o pinto encolhido de frio -, eu pensava nesse furdunço daqui. Adieu, mon chat. Violão desembaraço, uÚmãnoucrai, duas cordas dá. Que colo no batera [moeda-não, olha a muquiranagem] dou um chego na Febarj [passimpracápralá] forró na Joaquim Silva [vem, Araçagi]. Suave. O dia em que eu acho que tô mais bonito é depois das dez. A noite segura já firme no rosto, cadência cervejaecigarro. Chinelo, bermuda. Blusa assim Cecília Brandão, qu'ela sempre me descola. Pã. Furando os arcos - essa boca cheidefome da noitarada.

ruídodois venhaí um charles chaplin de saia godê assobiando um poema do emiciboladão

ruídotrês [senhora, gosta de poesia, senhora?] [… gosto …] [posso te mostrar meu trabalho? Sou o Coati da Lapa, filho do seu Gegê (...), Araçagi-PB] [ah, sim, outro dia, tá, tô-só esperando minha neta que] [então vou fazer pra senhora um presente bem bonito pra senhora dar pra sua neta, flor, marimba, jangada, titanic, sem o Leonardo Dicaprio, pô, ele j'afundou já, ou não foi?] [afundou, filho, foi, acho, mas ó, se ofende não, seu trabalho é muito bonito, só que eu tô-só, olha ela ali, você me dá licença, sim?] [obrigado pela atenção, ceci n'est pas un chien]

ruídoquatro montmartre escambau sou é matacavalos

espia-só de Carnaval, três maridos, como vou largar o isquidum? Henrique Valadares, 36 - sobrado, repara o prediozão que subiram, essa gente. Vou te falar uma coisa muito certa: não lembro de jantar que não tivesse visita, Tia Matilde escondendo meu xixi pingado do colchão velho em cima dela. Corso, préstito, lança-perfume pras crianças. Sociedade Carnavalesca Clube dos Democráticos não era pra moça de família - Tenentes do Diabo ainda tem? A gente saía da escola na Lavradio pra pedir borracha, panela, tempo de guerra.

Espia. 

O bonde virava era ali, eu saltitante, puxando num braço o irmão mais novo, no outro as moedas pro hidrolitol. Réis, Cruzeiro: vai saber. Selarón? Conheço não.

Primarada turca, a vovó do Líbano vinda no casamento armado aos doze-treze anos. Ficava na casa com as filhas o marido pra rua, bebendo, aquelas coisas. Ela vivíssima: um dia sentou pra namorar o namorado português no Campo de Santana. Apareceu o libanês carregando o guarda – adultério era crime, sabia? [toma nota: cada bobajada!] Ela baixinha logo se estufou: que o danado não ia em casa, as meninas tudo chorando, isso sim era semvergonhice, o português voltimeia ajudava. O guarda deixou temperar o silêncio e deu de levar o libanês em cana – aquele chororô. Pai das meninas, faz isso não, seu guarda, eu me entendo com ele. E combinaram dele ir simbora, Equador, parece. No dia do embarque quis ver as filhas, Vovómélia chegou atrasada, navio indo, o tchau das meninas dipindurado no lenço.

Acadimia, tumate, turnuzelo, contróle – ninguém mais fala assim. 

São duas ditaduras nas costas, tudo o que é nome de moeda, viúva três vezes. Uma guerra mundial e quatro constituições, filha. Saravá ou não? Mamãe costurava, papai contador, tio Nilo no balcão da farmácia e aquele bando de criança tomando catiripapo se a bola entrava em casa. A tia Maria me lembra muito você, jeito-assim de conhecer as coisas olhando pelo chunleado da rua. Vocação, né? - eu tenho também, repara: oitenta anos, minha neta me arrastou pra cá e foi s'emaranhar nalgum bloco, a danada. A Lapa não é coisassim de entender.

ruídocinco dá licença, vocês viram por acaso um charles chaplin de saia godê assobiando? F'lhadaputa ficou com meu isqueiro...


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