Pé-di-panema

* Este texto faz parte do livro O meu lugar

Pé-no-bronze, pelinhos dourados em cima do dedão, uma quase marca de chinelo laranja: pé-brother, sarado, que vai pro muay thai rapi10 no camelo, um tchibum na volta, depois mangueirada na entrada de banhista pra não encher de areia nenhum dos seis ou sete cômodos do apartamento envidraçado da Garcia D'Ávila.

Pé-de-dunas-da-gal, a cocotinha pazamor dos anos 70 leva os netos à praia em frente à Casa de Cultura Laura Alvim. Malha na Smartfit segunda e quarta, terça e quinta corre com faixa de monitoramento cardíaco e suporte para Iphone. Pé hidratado com hidratante pra pé da L'Occitane.

Pé-com-esmalte véudinoiva, uma correntinha dourada no tornozelo, perna lisa do Pello Menos, segundo andar na Visconde que, por dois dias, foi Rua Antonio Carlos Jobim.

- Virilha completa e ânus, por favor.
- Senhora, virilha completa já dá direito a ânus. Gostaria de trocar ânus por buço?

Pé-da-moça que informa: virilha completa já dá direito a ânus – gostaria de trocar ânus por buço, quer aproveitar a promoção da axila, assim, não vou dizer que não dói nada virilha cavada que eu estaria mentindo, é, mas a gente trabalha com um gel especial-importado que dá uma aliviada, anrã. Par de rasteirinha descalça embaixo do balcão 9h às 17h, sábado 9h às 13h, e que depois se esfrega no chão do metrô, faz baldeação pra linha 2 e outro dia arrebentou no sufoco da hora de sair. De saltar. De soltar.

Pé-garrado-no-strep, furando marola quando o mar tá fléti, metendo o pé quando o mar tá cralde. De dentro d'água é que se aplaude pôr-do-dol, no relax. Pra fumar unzinho depois.

Pé-que-dói-que só. Joanete, artrose, sei lá, naquele tempo só se usava salto. Andação danada pela Montengro: que hoje é Vinícius. Pelo Castelinho: que depois foi Barril. Pelo Bar Jangadeiro: que sumiu. Banda de Ipanema ainda com o Albino Pinheiro. Hoje deus me livre todo mundo pisando meus ossinhos.

Pés-manjados da areia, vinte e nove anos de barraca no Nove, três filhos criados na capirinha, caipiroska, morango, abacaxi e laranja-lima, sanduíche de linguiça temperado com molho uruguaio desde casa - que a fiscalização agora deu de incomodar. Parte é cliente, pero la maior parte és amigo.

Pé com unha estampada, malhou às 6h no Pavão, deu beijinho no marido às 7h15, 8h30 limpou banheiro da Madame Tal, 15h pingou X-19 no vidro do Seu  Fulano, 18h se espremeu no banheiro da cozinha, 19h10 tatuou a calça estréti, equilibrando no salto plataforma o caminho muito exausto pro supletivo ali na Praça General Osório.

Pé-rachado-de-areia-quente. Vai água, vai biscoito. Um dia já foi isopor de Dragão Chinês e Maria Teresa Weiss. Depois Kibon-Yopa e chocolate africano do sorvete Itália. Mas areia pesa, coluna entorta: quem que dera ser pé-de-dunas-da-gal e pagar um pilates pra desentortar.

Peito-de-pé, chapa, chilena, sola. Joga bola no Galo desde os cinco, aos treze descobriu a altinha. Começou no Posto Oito, top e short jeans, mas no Coqueirão é que enchia, bem lá: com a pleiboizada pé-no-bronze. No primeiro olhar torto pro biquini não-Salinas e nagô no cabelo, estufa o toráxico na bola pra levantada ostentação, depois queima de testa no ataque. Nem-vem.

Pés-faltando-no-chinelo-tipo-kenner, os moleques vão mansos de bermuda caindo, óculos na testa, chave, celular com a tela rachada, Rio Card no bolso. Futebol na água, jiujitsu na areia: pra valer cada minuto da viagem abafada e lenta. Junta os merréis de cada, não dão pro biscoito Globo sal ou doce. E vem PM revistar na fila do ponto final, a jornalista pra escrever em fonte dezesseis: Ônibus em direção às praias da Zona Sul serão parados pela polícia. Uzômi, urgringo, moradô, lojista. Geral falou no jornalão. Menos os meninos pés-faltando-no-chinelo-tipo-kenner, Rio Card no bolso, viagem abafada e lenta e longa e agora vigiada.

Pé-ímpar, diabete rancou fora - uma moedinha, dotô – ainda assim embalado com sacola do Zona Sul, R$ 25 o pacote 200g de cuscuz marroquino importado. Uma ajudinha pra tia, senhora. Vem um pé-de-coturno e expulsa da esquina do Country Club, R$ 680 mil o título de sócio.

Cambada de pé-inchado, eu hein. Botafogo perdeu do Olaria, eu hein. Vi metrô abrir, loja de macumba fechar, bicho mudar de ponto, sapateiro virar casa de iogurte, casa de iogurte virar sushi, a Oi é onde era a Telerj. Olha, me disseram que aluguel de quitinete aqui vai pra mais de três mil, será? Entrega, faço. Porção de calabresa com cebola, reclamam que tem muita cebola, eu-hein. O que sirvo muito é pê-efe, porção caprichada pra quem tá de serviço aqui perto. O português vendeu. O espanhol comprou. Didi, Girimum, Prancha, Raimundo, Biu, Chico Dias, Chico Antunes, Chiquinho, Cicinho, Geraldo, Uéslei, o irmão de Uéslei, o Neto: teve de um tudo servindo por aqui. Eu hein. Agora se isso virar outra coisa eu não sei. Mas aí também não sei onde esse povo vai comer pê-efe barato assim em Ipanema. Se virar outra coisa, eu tô é subindo uma casinha vai pra mais de dez anos no Norte. Isso aqui não fechou acho que é por causa do nome mesmo. Pé-quente. Eu hein: se o Botafogo tivesse um desses não perdia pro Olaria.

Contato

manuelatrindade2@gmail.com