Dendê

Ah, sim, o mínimo não bate continência... Ou alguém tem que ver com o campo inventado ao redor de três molecadas do futebol, o jogo que se põe com a tarde. Abaixo mirabolosas escalações cronometradas, coletes distribuídos positivamente em súmulas: só quem chuta a contramão da rua tem no grito o grito de gol. O estádio por devoção desinibida, ah, quem intoxica as palavras de sentido... 
Outra que não dá é lá com desejo, beijo que irrompe o veto no cheiro. Olho revirado, mas, pelamordedeus, com o mínimo – o desejo não tem gradação que educadamente se aproxima. Engole cru o corpo em postas com o menor dos dedos. Como drible: o batuque (noite adentro). Foi o que ela quis dizer “então tá”, aquilo que nunca descobriria, ao que ele perguntava se tinha sido por ontem, o telefone. Tal. Por pura vontade de chorar, ela disse que talvez.

E também o carnaval, três na rua e papelão, era isso, meu deus, pra que todo o resto?, perguntava à medida que ia emudecendo. Certamente ele teria seus mínimos, mas não a ponto de saber como tocá-la. Não, Eltinho, não foi o telefone; se eu estava na escola e nem teria atendido. É, Eltinho, é saudade de casa. O quanto lhe fazia falta não ver nele o menor dos gestos escancarado em detalhe, a frase sem verbo que contém toda a ideia.  
A palavra pelo som, mas o som pelo vazio: cada vez ele desentendia o silêncio miúdo das varandas, ao tanto de afiar a língua e, estaca, invadir a carne. Violentamente, ela chorou e o agrediu pontiaguda, tomada pelo tédio daquele gesto perpendicular que perfurava sua boca. 
Não precisava mais do que catorze anos e meio de quem não tinha vivido nada do que sentia falta. O beijo curvilíneo, mas por imaginar a palavra pelo som (o som pelo vazio): ai, Eltinho, desculpa, não queria te machucar, eu gosto. Bastante até. 
Não que o futebol dissesse algo a ela, tinha tentado vez ou outra. Mesmo o carnaval – uma bailarina e uma melindrosa. Sequer tinha em mãos um verso de poesia para oferecer como ramalhete. Mas no calor do Norte, antes de a família ir desenfreada, o cheiro do dendê. Quando ele enroscava no corpo e vindo de longe... eram quase insuportáveis os ângulos retos e carinhosos que Eltinho escrevia no caderno de inglês. O cheiro redondo, só: o mínimo. E o desespero mudo e escancarado para riscar de poesia as paredes viscosas do tédio.


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